Em 1938, quando o Departamento de Cultura financiou
a Missão de Pesquisas Folclóricas, Mário de Andrade deparava-se com o dilema da
modernidade: ao mesmo tempo que as manifestações populares corriam o risco de
desaparecer com a crescente urbanização do país, o avanço tecnológico da época
proporcionava meios de capturá-las em discos, fotografias e filmes.
Nesse jogo ambíguo, entre a ameaça de destruição do
fato e a construção de referências, o projeto adquiria um caráter urgente. O
interesse pela cultura nacional levou Mário a viajar ao Norte e Nordeste do
país na década de 1920. Anotada no livro póstumo Turista Aprendiz, a aventura
existencial e intelectual marcou sua trajetória como pesquisador de campo e o
convenceu da necessidade de deslocar-se ao Brasil profundo, a lugares onde
nossas tradições culturais ainda não teriam sucumbido ao peso da
industrialização. Repetindo, em linhas gerais, o trajeto empreendido pelo
escritor nessas viagens etnográficas, a Missão foi, sob muitos aspectos, a
institucionalização de uma experiência pessoal. Formada por Luís Saia, Martin
Braunwieser, Benedicto Pacheco e Antônio Ladeira, a caravana deixou São Paulo
em fevereiro de 1938 rumo ao Ceará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Maranhão e
Pará.
Um revés político, ocasionado pelo Estado Novo e a
chegada de Prestes Maia ao poder municipal, encurtou a permanência de Mário no
Departamento de Cultura. Ainda assim, a Missão conseguiu concretizar sua
primeira etapa: a partir dos cadernos de campo, imagens, músicas e dos inúmeros
objetos recolhidos revelava-se um fragmentário, porém significativo, panorama
do folclore nacional.
A organização e difusão do material não lograram o mesmo sucesso. Os esforços, nesse sentido, estiveram restritos, durante anos, ao trabalho solitário de Oneyda Alvarenga, primeira diretora da Discoteca Pública, que sem o respaldo da Prefeitura empenhou sua vida para que o acervo fosse preservado.
O lançamento desta caixa de discos não pretende
retomar o projeto de Mário de Andrade, datado dos anos 1920 e 1930, época em
que São Paulo ainda se preocupava em lançar um olhar sobre a questão nacional,
debruçando-se para além de suas fronteiras políticas e culturais. Ao trazer a
público uma seleção dos registros fonográficos da Missão de Pesquisas
Folclóricas, o objetivo da Secretaria Municipal de Cultura, em parceria com o
SESC-SP, é reiterar a profunda dimensão desse acervo, parte fundamental da
cultura material do povo brasileiro.
Carlos Augusto Calil
Secretário
Municipal de Cultura
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